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O crachá de Saruman

Atualizado: 22 de dez. de 2020



Uma das trilogias clássicas da literatura e do cinema, daquelas que vale a pena comprar os livros e o box Blu-ray, é o Senhor dos Anéis. O universo criado por J.R.R. Tolkien, somado às jornadas pessoais dos principais personagens, nos traz um vasto campo para reflexões e aprendizados.


Um desses mini-flashbacks me levou aos 17 anos de idade, quando recebi o meu primeiro crachá. Lembro que lá estava escrito: “Marcos, Estagiário-Programador”.

Apesar do funcionário de RH ter dito apenas “ó, tem que usar isso aqui”, pra mim aquilo foi um momento mágico, uma conquista. Era a certeza de que a partir daquele dia qualquer pessoa pela qual eu passasse nos corredores saberia a minha função. Entenderia a minha contribuição para a empresa. Meu posto de trabalho. Meu propósito na Corporação. E eu me sentia feliz como o pequeno Frodo no Condado, lá na Terra Média.

Mal sabia eu do poder que aquele pequeno pedaço de plástico ainda exerceria na minha vida.

Poucos anos depois o “Marcos” virou o “Rasta”. Pôxa, até no crachá a empresa formalizou o apelido pelo qual todos me conheciam. E de projeto em projeto, de entrega em entrega, de reestruturação em reestruturação, os cargos também foram mudando: de Analista, para Coordenador, para Supervisor e para Gerente.


A essa altura, o crachá reluzia. Abria portas. Atraía amigos. Falava mais alto nas reuniões. Usufruía de benefícios cobiçados pelas patentes menores. O poder cresceu de tal forma que um dia me senti tão, mas tão confiante, que decidi: vou pedir demissão. E aí o mesmo cara do RH olhou para o meu crachá brilhante e disse: “ó, tem que tirar isso aqui”.

Nesse momento, inesperadamente, o Gollum voltou a ser quem ele realmente é: apenas o Smeágol.

Passei por diversas crises de identidade quando perdi o meu “crachá de Saruman”. Por meses a fio, já sem ostentar a preciosa tag, ainda insistia nos velhos hábitos, discursos e postura. Até eu entender que aquele Hobbit egocêntrico precisava ser desconstruído, pouco a pouco, porrada a porrada. Era hora de aceitar que ninguém mais saberia a minha função; tampouco sobre as minhas contribuições, postos de trabalho ou propósito.


Aprendi, nessa jornada de autoconhecimento, que o maior benefício que recebemos dessa tal de vida são as oportunidades de aprender com tudo aquilo que erramos. Não é tarefa fácil, pois a tendência, natural e recursiva do ser humano, é se deparar novamente com as mesmas situações e, animicamente, repetí-las.


Dentro de uma empresa, assim como na vida pessoal, deixar de ouvir quem está ao seu redor, não valorizar as opiniões da equipe, centralizar a tomada de decisão e, principalmente, não saber reconhecer quando você erra, o torna alguém aprisionado dentro de si, despertando aquele Gollum que sempre viverá dentro de nós.


O mais irônico, já no final da jornada, lá no topo da montanha, foi ver o anel sendo destruído pelo próprio Gollum, pois o Frodo não conseguia fazê-lo por si: precisou de um empurrão daquele cara transtornado.


Foi entender que seja qual personagem for, “ruim ou bom”, todos fazem parte da construção de quem você é. E o crachá é apenas um simples objeto que permite a você se conectar e conhecer todos eles. Apenas escolha sabiamente qual você quer alimentar.


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