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A tábua de carnes

Atualizado: 22 de dez. de 2020



Cara, aqui é o João. O Alberto e eu tivemos uma ideia e queremos discutir com você a viabilidade de criar um produto.

Ótimo, respondi. Deixa eu ver a minha agenda e te confirmo logo mais.

Estatisticamente, pelo histórico de vendas desses 10 anos a frente da BASE, a chance de uma prospecção que inicia assim se transformar em projeto é de 1 para 50. Mas, como o empreendedor que olha apenas para números acaba se equivocando nas decisões, aprendi que esse tipo de reunião sempre é uma boa oportunidade para conhecer pessoas e criar novas conexões.

Perdi as contas de quantas indicações recebi por recomendação daqueles que participaram comigo de dinâmicas assim: talvez porque gostaram maneira que eu explico tudo o que envolve construir um produto digital; ou por eu ter redirecionado a ideia, mostrando outras empresas que já fazem (ou fizeram) a mesma coisa (e quais aprendizados tiraram disso).

Bom, mas essa reunião em específico me marcou.

8 am. Condomínio na região nobre da cidade; o João me aguardava na recepção. No local, um espaço com várias salas de reuniões localizadas no subsolo.

Olha, você sabe que o Alberto é dono de diversas empresas daquele segmento, né? Então, ele convidou os principais executivos de cada uma delas para participarem da conversa, ok? Disse o João.

, pensei.

Me apresentei em 5 minutos, sem slides. Pelo perfil dos profissionais ali presentes não seria necessária nenhuma pirotecnia. Bastava seguir a minha dinâmica de quebra-gelo (meu nome é Rasta), agradecer a presença de todos, falar que eu iniciei minha carreira quando a Internet era mato, que atendemos projetos para as empresas A, B e C, e que eu estava lá para ajudá-los para tirar a ideia do papel.

Alberto conduziu a reunião. Fazia muito sentido o que ele falava. O produto tinha uma estratégia sólida, seria posicionado no mercado em que eles eram líderes e contava com um time motivado e alinhado quanto as funcionalidades (inclusive eles discutiam em paralelo, durante a reunião, como tudo isso retroalimentaria negócios entre as empresas do grupo).

Aí o Alberto falou do prazo. E eu sorri.


Era o início do fim de toda a mágica da reunião.

Expliquei sobre MVP; sobre prioridades e sobre riscos. Que em projetos com essa característica é necessário começar com um piloto, com funcionalidades mínimas. Que existem diversas dinâmicas que auxiliam na tomada de decisão (com quais features lançar) de maneira estruturada e profissional. Basicamente, que eles precisariam reduzir o escopo e fazer escolhas.

Alberto prontamente disse: eu não faço escolhas.

Humm, pensei.

Por exemplo, eu nunca entendi a lógica da tábua de carnes no churrasco, disse Alberto. As pessoas estão condicionadas a escolher um pedaço; e a tábua passa. Aprendi com os meus pais e ensino aos meus filhos que eles devem encher as duas mãos, pegando o máximo que podem. Eu não escolho. 5 segundos de silêncio.

Mas percebi que não houve surpresa por parte dos demais participantes (talvez por que eles já tivessem escutado isso em outras oportunidades). Confesso que eu não sabia o que dizer, pois não esperava ouvir algo assim.

Respirei e foi: pois é, então não vai rolar. Minha sugestão é vocês avaliarem outras empresas no mercado que consigam se comprometer em entregar o projeto completo para vocês.

Ficou claro que não valeria a pena eu insistir. Até porque eu não tinha a pretensão de ser o responsável por mudar uma tradição familiar do Alberto.

Ao longo dos anos que se passaram após essa reunião, vi situações similares em projetos de Transformação Digital: empresas investindo pesado para criar produtos e/ou novas linhas de negócio, nas quais os Executivos e Líderes sofriam da “Síndrome de Alberto”, irredutíveis em abrir mão, em abandonar convicções (ou receitas garantidas) e em aceitar novas abordagens/soluções. Valorizavam apenas a tradição e os métodos clássicos. Ignoravam o pensamento lateral e não convencional das novas gerações. Estavam mais preocupados (e engajados) com a data do próximo churrasco.

Vi que a startup do Alberto acabou indo pro ar. E esses dias o João me ligou, dizendo que o negócio não decolou e fechou recentemente. Sem nenhum pedaço de carne nas mãos.


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